domingo, agosto 24, 2008

GRADES

Não me queiras prender; só eu controlo
a sanha marginal que tem meu peito
e só eu lhe digo se é bem feito
esta fúria de noite em que m'enrolo;

não me queiras prender; tudo é tão vago!
São livres os abismos colossais
dos misérrimos desejos que afago
às ânsias de pureza virginais...

nem tentes, aprende; há mil maneiras
de prender a liberdade, bem a jeito
e o jeito, é estar enamorada...

não me podes prender mesmo que queiras;
esta fome de azul que tem meu peito
jamais poderá ser aprisionada!...


Maria Mamede

terça-feira, agosto 12, 2008

REFLEXO

Há uma estrela cadente
e a luz implícita
e a boiar
neste meu espelho d'água
o reflexo
de antigas dores, como hinos
a lembrar o passado.
Há um chão de basalto
a preto e branco
onde águias se elevam
num voo rasante
sobre a espuma
e o mar, por perto
fala-me das conchas e dos búzios
e de amores marinheiros...
há sons de vozes, ao longe
e gente em nocturnas pescarias;
eu, no entanto, deixei de existir...
fiz-me rumor de onda
e cheiro a maresia
e gaivota, sem ninho
pousada numa nesga de areia!...


Maria Mamede