sábado, junho 23, 2007

PALIDEZ

Soltam-se as águas
todas
nos lençóis de linho
de nossos corpos
depois do pecado
sempre original
e dos lábios
ainda molhados
nascem violetas...
as mãos
as nossas mãos
são pombas
adejando
tocando, ao de leve
as montanhas
do rosto
os montículos
do peito
as grutas secretas
onde o amor
se despe...
espraiam-se
suspiros e murmúrios
pelos côncavos
da pele
onde a paixão
devora
e o torpor se instala.
Então
sonolenta
rompe a manhã
e o esplendor
do astro rei
empalidece ao ver-nos!...

Maria Mamede

domingo, junho 17, 2007

SABORES

Sabe-me a pouco a cidade
sabe-me a vida demais
sabe-me o peito a saudade
doutras vidas ancestrais...

Sabe-me o tempo à fuligem
das chaminés do passado
sabe-mo o rio à vertigem
de quantos se têm matado...

Por vezes o Douro sabe
a aventura, a viagem
e no coração nem cabe
a 'sprança que vem n'aragem...

Sabe-me a dor o Barredo
sabe a iscas a Ribeira
e a Sé, sabe ao degredo
duma vida marinheira...

Sabe o Bonfim ao pousio
das terras por semear
e Lordelo ao bravio
dos matos, da beira mar...

Miragaia sabe à espera
do sobe e desce do inverno
e Ramalde, nesta era
a poluição, um inferno...

Vale Formoso, sabe a flor
Campo Lindo, a oração
E a Lapa sabe ao penhor
de D.Pedro, o coração...

Vestiu de festa a cidade
cheira a cidreira e a mosto
e mesmo em dificuldade
traz alegria no rosto...

Sabe a cascatas velhinhas
sardinha pinga no pão
e ao altar das Fontaínhas
em noite de S.João!...


Maria Mamede

segunda-feira, junho 11, 2007

UM CONTO, DE VEZ EM QUANDO...

MÉXICO
(Hacienda Plenitud - Dos Águas - Cuernavaca)

Tenho na memória, memórias duma terra quente de cores ocres, amarelas e vermelhas, densa de gente e vegetação nalguns lugares e rala de vegetação e gente noutros, nos mais altos, onde há neves e crateras-lagos, que mesmo no inverno conservam a água quente.

Memórias de gente de pele cor de terra e olhos cor de noite com estrelas, que ama as serenatas e usa poncho e sombrero.

Duma terra onde as mulheres são belas e insinuantes e onde os homens cultivam o macho primitivismo adoçado pelo amor, desde sempre escrito e descrito nos livros e nas histórias contadas aos serões.

Duma terra, Pátria de adoradores do Sol, onde a coragem se transforma em romântica aventura a provocar suspiros de prazer e desejo em jovens sonhadoras (es) que anseiam o regresso de Pancho Villa e sonham com Zorro, cobatente do mal e defensor dos fracos e oprimidos.

Duma terra de muitos cambiantes de cores e sentimentos, que nos faz correr mais lesto o sangue nas veias.

Tenho na memória, memórias de tranças negras e olhos negros, brilhantes, de lábios como cerejas, abertos num sorriso suave e doce e dum colo quente e macio, abrigo seguro de tavessuras da infância. O colo maternal de Yula, a minha Nana de pele ambarina, longas pestanas negras e peito farto, onde eu e mais alguns sugamos a vida.

Yula, era um magnífico exemplar de Mulher Mexicana, sempre de saia longa e blusa larga, de xaile pelos ombros no dia a dia e bela mantilha de renda em dias de festa, sempre presente, sempre atenta às minhas mais insignificantes necessidades.

Apesar de não saber ler nem escrever, era grande na sua sabedoria e enorme no seu conhecimento da natureza, incluindo a humana.

Desde a minha mais tenra infância cultivei a sensação, quase certeza, de ser ela a Madona morena do Altar Mor da Igreja do Povoado, tal a ternura no olhar, a doçura no sorriso, o jeito composto do xaile ou da mantilha e a serenidade do rosto.

Yula, sabia ser doce e forte ao mesmo tempo; capaz de fechar os olhos a qualquer traquinice ou de proibir e sustar qualquer ímpeto que achasse impróprio, apenas com o seu olhar de ébano, que poderia ser de gelo ou de fogo,consoante o momento.

A minha Nana, partiu há já muitos anos para a Morada dos Espíritos, de que de vez em quando me falava, quando o tempo era infinito, eu desconhecia a cidade grande e a histórias começavam invariavelmente por - "Era uma vez!..." - Já lá vão tantos anos!

Depois, depois tudo mudou e foi ficando longe, muito longe, apenas memórias, duma terra de cores ocres, que eu guardei religiosamente e mais tarde passei para este meu caderno.



Maria Mamede

(In "Caderno de Memórias")

domingo, junho 03, 2007

SEDE

Há qualquer coisa em ti que me faz sede
E algo mais, depois, que me pede água
Nas sombras que se esmagam na parede
Da sede, que em nós dois é dor e mágoa...

E é também de sede o beijo, intenso
Que traz sabor a sal, gosto de mar
E o cheiro do alecrim e do incenso
No abraço, que meu sonho te vai dar...

Depois, não há depois em nossas vidas
Apenas o presente, só o agora
Que saboreamos lentamente

Deixamos para trás, esmaecidas
As loucas primaveras de outrora
E somos amanhã, eternamente!...


Maria Mamede