MÉXICO
(Hacienda Plenitud - Dos Águas - Cuernavaca)
Tenho na memória, memórias duma terra quente de cores ocres, amarelas e vermelhas, densa de gente e vegetação nalguns lugares e rala de vegetação e gente noutros, nos mais altos, onde há neves e crateras-lagos, que mesmo no inverno conservam a água quente.
Memórias de gente de pele cor de terra e olhos cor de noite com estrelas, que ama as serenatas e usa poncho e sombrero.
Duma terra onde as mulheres são belas e insinuantes e onde os homens cultivam o macho primitivismo adoçado pelo amor, desde sempre escrito e descrito nos livros e nas histórias contadas aos serões.
Duma terra, Pátria de adoradores do Sol, onde a coragem se transforma em romântica aventura a provocar suspiros de prazer e desejo em jovens sonhadoras (es) que anseiam o regresso de Pancho Villa e sonham com Zorro, cobatente do mal e defensor dos fracos e oprimidos.
Duma terra de muitos cambiantes de cores e sentimentos, que nos faz correr mais lesto o sangue nas veias.
Tenho na memória, memórias de tranças negras e olhos negros, brilhantes, de lábios como cerejas, abertos num sorriso suave e doce e dum colo quente e macio, abrigo seguro de tavessuras da infância. O colo maternal de Yula, a minha Nana de pele ambarina, longas pestanas negras e peito farto, onde eu e mais alguns sugamos a vida.
Yula, era um magnífico exemplar de Mulher Mexicana, sempre de saia longa e blusa larga, de xaile pelos ombros no dia a dia e bela mantilha de renda em dias de festa, sempre presente, sempre atenta às minhas mais insignificantes necessidades.
Apesar de não saber ler nem escrever, era grande na sua sabedoria e enorme no seu conhecimento da natureza, incluindo a humana.
Desde a minha mais tenra infância cultivei a sensação, quase certeza, de ser ela a Madona morena do Altar Mor da Igreja do Povoado, tal a ternura no olhar, a doçura no sorriso, o jeito composto do xaile ou da mantilha e a serenidade do rosto.
Yula, sabia ser doce e forte ao mesmo tempo; capaz de fechar os olhos a qualquer traquinice ou de proibir e sustar qualquer ímpeto que achasse impróprio, apenas com o seu olhar de ébano, que poderia ser de gelo ou de fogo,consoante o momento.
A minha Nana, partiu há já muitos anos para a Morada dos Espíritos, de que de vez em quando me falava, quando o tempo era infinito, eu desconhecia a cidade grande e a histórias começavam invariavelmente por - "Era uma vez!..." - Já lá vão tantos anos!
Depois, depois tudo mudou e foi ficando longe, muito longe, apenas memórias, duma terra de cores ocres, que eu guardei religiosamente e mais tarde passei para este meu caderno.
Maria Mamede
(In "Caderno de Memórias")